domingo, 9 de setembro de 2018

Pensar - O ato reflexivo

Os educadores e os teóricos do autoconhecimento vivem falando às suas audiências:

Para Pensar você precisa refletir sobre o assunto

A maior parte das pessoas acha que Refletir sobre um assunto é ficar em silêncio, sozinha, em algum lugar bem quieto, pensando incessantemente naquele assunto, como em um exercício de meditação. E, daquele momento de reflexão, mesmo demorado, pode simplesmente não sair nenhuma conclusão.

John Dewey

Vamos então mudar bruscamente a direção de nossa narrativa, e voltar ao início do século XX. Foi há muito tempo. Corre o ano de 1910. Um filósofo e educador norte-americano, de nome John Dewey, publica um livro cujo título é "HOW WE THINK", que se traduz exatamente em "Como pensamos".

Neste livro, o autor mergulha no tema em busca de um método ou explicação detalhada de qual seria o mecanismo, o procedimento, para que realmente pensemos, e como ensinar aos alunos a pensar. Hoje vemos claramente, pelo modo das pessoas se expressarem, e pelo modo de escritores escreverem, que a ciência do pensar foi esquecida. Os pensamentos estão apressados. As mentes se acostumaram à preguiça do "SÓ VER". E mesmo vendo, as pessoas não estão interpretando os fatos corretamente, pois não sabem como utilizar o Ato Reflexivo para PENSAR.

Na presente discussão, vamos considerar a divisão da edição em inglês, em capítulos, perdida na edição que está hoje na Biblioteca do site www.dominiopublico.gov.br., que trata resumidamente de cada tema abordado por Dewey. Cabe neste momento comentar que um dos fatores que serve de infra-estrutura para o Ato Reflexivo é a DIVISÃO em capítulos e em itens, que está sendo deixada de lado nos dias de hoje, apesar da capacidade automática dos editores de texto em fazer a correspondência entre estas partes e o índice final.

O livro trata muito de didática, e lá pelo Capítulo 7 (edição original), cujo título é "Inferência sistemática: Indução e Dedução". O primeiro item tem o subtítulo "O duplo movimento da Reflexão". Compare este com o título da edição em português: "Análise do ato reflexivo" e ao subtítulo "Fatos e ideias". Na forma original, o título é inserido realmente em um terreno científico com termos técnicos: Indução e Dedução. Percebe-se que o assunto é para todos que pensam. Já o título da edição em português remete o assunto aos militantes do terreno da didática somente. Parece que há uma aversão aos termos Indução e Dedução, por serem mais do domínio da matemática. Acontece que Pensar é algo parecido com a lógica matemática, pois é dito que quem pensa "junta os fatos", e estes mesmos levam a um resultado lógico.

O movimento duplo da Reflexão

Vamos nos dedicar ao núcleo do nosso tema, e nos referir à versão em inglês, pois a tradução para o português foi mais uma adaptação do que mesmo uma tradução e, pior, uma adaptação com perda do real significado do tema.

O primeiro item do capítulo (subtítulo) é "O duplo movimento da Reflexão", e começa com o seguinte:

"A característica que provem do Pensamento vemos ser a Organização dos Fatos e condições as quais, justamente como se apresentam, são isoladas, fragmentárias e discrepantes, sendo esta organização tal que estabelece as ligações (links) ou termos intermediários. Os fatos, como apresentados, são os dados, o material cru para a Reflexão".

Brilhante. Traduzindo para o nosso entendimento, o que ocorre com todos nós quando somos pegos de surpresa por uma nova situação factual, é mais ou menos o seguinte. Quando olhamos uma situação, pela primeira vez, os fatos apresentados parecem ser isolados, sem relação um com o outro, como se a situação fosse absurda. É óbvio, em nossa memória o NOVO ainda não foi organizado em Fatos Conhecidos com Relações Conhecidas. Em seguida ele esclarece justamente isto: "sendo esta organização tal que estabelece as ligações (links) ou termos intermediários" . Repare que existe um elemento introduzido, e que as pessoas ignoram: "termos intermediários".

Vamos dar um exemplo simples. Olhamos um par de pessoas andando na rua. Um homem e uma criança. Ambos estão de mãos dadas. Um dos termos intermediários, que não aparece na hora é o da Relação (link) filial/paternal entre eles. A princípio, pois pode ser que o tio esteja passeando com o sobrinho, ou que sejam até irmãos com idades bem diferentes.

Em outras palavras, quando vemos dois dados isolados ( o adulto e a criança, ou o maior e o menor ), estes não bastam por si só, pois os fatos dos quais eles participarem só farão sentido se soubermos a relação entre eles. Por exemplo, se o menor disser ao maior "você não manda em mim", devemos concluir que o menor não é filho do maior, pois se o for está se revelando um rebelde, carecendo de uma correção à altura, para não ficar mal-educado. Não cabe aqui a suposição de que o menor pode estar na adolescência, pois adolescentes não se permitem andar de mãos dadas com os pais, em geral.

O caminho duplo

Ora, a situação demonstrada como figuração para a primeira frase de Dewey, resumo do ato de pensar, é perfeita. Olhamos do menor para o maior e obtemos as possíveis relações filho, sobrinho e irmão menor. Olhando do maior para o menor, obtemos as possíveis relações pai, tio e irmão maior.

Poderíamos notar estas relações funcionando ao analisarmos outra situação. Um adulto está saindo de um carro e fechando o mesmo com a chave. Os dados são Adulto e Carro. O adulto pode ser o próprio dono do carro. Também pode ser o filho do dono, para o qual foi emprestado. Se o carro tiver um logotipo de empresa estampado na lataria, podemos especular que o adulto é apenas o motorista do carro, ou que o dono usa o carro como veículo de serviço e veículo pessoal. Dono, filho do dono e motorista são as relações (links) possíveis entre o adulto e o carro.

"Os FATOS, representados pelos DADOS, são o material 'cru' da Reflexão. Seguem-se as sugestões de algum significado que, se puderem ser substanciados, comporão um TODO no qual os vários fragmentos, a princípio confusos, se mostrarão coesos." Diz, John Dewey. Magnífica exposição, em poucas palavras. E continua: "O significado sugerido alimenta uma plataforma mental, e um ponto de vista intelectual, que permite notar e definir os Fatos de maneira mais cuidadosa, de forma a possibilitar observações adicionais, e para constituir experimentalmente, condições diversas". Ou seja, conhecendo a real associação dos Fatos, podemos fazer simulações a partir desta situação inicial JÁ ENTENDIDA.

Situação atual do ato Reflexivo

Nos dias de hoje, ao lidar com Fatos em um conjunto, os meios de comunicação estão se esquecendo de buscar as relações entre eles, mesmo dispondo dos vídeos feitos no momento em que algo acontece. Cada Fato de um Contexto é apresentado como se fosse uma verdade estanque, suscitando nas escolas, nas palestras e até em congressos a necessidade daquele que fala lembrar a audiência que:

NÃO SE PODE ANALISAR O TEXTO FORA DO CONTEXTO

A situação chegou a tal ponto que os profissionais de didática, até da Alemanha, berço de gênios da Física, Química, Música e Literatura, tem que recomendar aos estudantes alemães que "liguem o cérebro".

A situação na Alemanha atingiu um patamar em que, aos onze anos, o sistema educacional decide quais continuarão os estudos em direção à Universidade, e quais terão que ser conduzidos ao ensino técnico. E apresentam um estudo abalizando tal conduta. O método já havia sido utilizado, pasmem, no século XIX.

No Brasil, por enquanto, a escolha é do aluno. Na Alemanha, a taxa de evasão escolar é de 10 % entre jovens de 18 a 24 anos, que não querem continuar a estudar (Fonte: Jornal EL PAÍS - Espanha).

Conclusão

A Reflexão é o ato experimental mais importante do Pensar humano. Sem o estabelecimento correto das relações entre os fatos, e sem a especulação em torno de outras relações possíveis fica IMPOSSÍVEL a pessoa dizer que sabe refletir e dar as suas opiniões.





Um comentário:

  1. Poxa, se a situação na Alemanha tá desse jeito, nós estamos ferrados aqui no Brasil. Aqui o interesse é quase zero.

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